Psicodelismos em prosa

À Quintana:

E todos aquilos
que um dia atravancaram o meu corpinho
(...)

Eles passaram.
Eu passarinho! v.V

_Aline, 21/03/2015.



quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

da linguagem oculta do destino


                               


no princípio era o verbo
em genuíno compasso
rima e concordância

depois
inter-rompido o verbo
deu-se o hiato
mudo e polissêmico

moros
o filho inevitável de nix
segue tecendo
ornada de mistérios
a trama da minha vida


(Aline Barra – 22/12/2011)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Pensando alto...

SAUDADE não é dor
de ausências
o que dói aí é
PRESENÇA
a presença aguda do que já não está



(Aline Barra - 19/12/2011)

domingo, 18 de dezembro de 2011

Um conto [quase] fabuloso:



ele vive em paz
na solidão do teu pântano moderno
não quer ser incomodado
não precisa de companhia

ela, em estado latente
há anos submersa
ameaça emergir no lago de águas turvas

ele a admira e gosta de saber que
ela existe nas profundezas dos teus arredores
mas também sabe que caso desabroche
tua beleza despertará outros seres adormecidos 
naquela selva de pedras

e ele tenta não fitá-la
pois bem sabe que o teu olhar pode fazer brilhar
o sol que transformará o botão na jóia de mil cores

ele é o Ogro
um herói solitário
que teme desabrolhar a Flor de Lótus


(Aline Barra - 18/12/2011)

sábado, 3 de dezembro de 2011

Rima torta


Arte de Wassily Kandinsky


a vida oferece régua e compasso
o jeito é firmar o traço 
e evitar desalinho e embaraço


(Aline Barra - 03/12/2011)

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O fim do (a) conto (a):


era uma vez...

                            o príncipe
                                            [encantado]

                                                            e o castelo
                                                                             [de areia].



(Aline Barra - 15/11/2011)

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Retrato


para caber
na moldura
ela permitiu
que fosse
cortada
restou
na parede
um ventre
vazio
um coração
partido
e uma mulher
sem rosto

mas tudo enquadrado


_Aline Barra - 09/11/2011

domingo, 16 de outubro de 2011

Análise (verbal)



o que dói – no fundo –
não é a perda em si
mas a forçosa constatação
no amor não há posses
nele o tempo está todo
no infinitivo

possu-ir [?]



(Aline Barra – 16/10/2011)


quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Sobre perdas e porquês...




Observo
impotente
o corpo frágil
desfazendo-se
de mim

tento argumentar
:
gotículas de afeto hão de cair sobre ti
quero que fiques um pouco mais
é cedo. ainda. creio [!]

não adianta
meus argumentos se mostram
tão frágeis quanto o próprio corpo
[ele parece já não crer]

e tal qual
a rosa da tarde
definha
não por escassez de água
mas por excesso
de falta[s]

Eros está morto. E sem ele Psique não tem por quê.



(Aline Barra – 15/09/2011)

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

girassol, para mim(a)

Vincent Van Gogh, agosto de 1888



ele é assim:

quando dia, sonhador.
de intensa comunhão com o deus do azul
exala de si centro e vida
pro-criação

quando crepúsculo, acordado.
olhos, corpo e coroa voltados ao ventre
vaidade resignada. suave
fecundação

ele é assim:

falo e cálice
eros e psique
sol em flor
;

ele sol . eu flor!



(Aline Barra – 31/08/2011)


sexta-feira, 19 de agosto de 2011

hipocondria II

    
Agora é o peito que sofre de falta
            [de cabimento]

[padece]
de uma alegria descabida.



(Aline Barra – 19/08/2011)

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Da falta [de inspiração]...



há dias em que viver dói tanto
que corre-se o risco de confundir
automutilação com automassagem



(Aline Barra – 05/08/2011)

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Virada para a lua

(Tarsila do Amaral, A Lua)


É difícil manter os pés no chão
quando a realidade (?) me atropela
me estupra
me violenta a alma

Minha essência é aérea
meu mundo
in-concreto
sou das imagens
dos sentidos

Quero Os Girassóis
e os Campos de Trigo
quero A Lua, o Sol Poente
e Meninos Soltando Pipas

Quero dormir Alice
e acordar Clarice

Quero os filmes franceses
as asas que me cortaram
e as sapatilhas que não calcei

Quero de volta
a fome no peito
o pé na estrada
e o ventre fértil

Quero poder sonhar
e fazer da vida o meu sonho

Ainda que eu permaneça virada para a lua.


(Aline Barra – 14/07/2011)

terça-feira, 5 de julho de 2011

Confissão


Pelejo
para que meu coração
não se renda a penas
para que não seja [só] apenas
um órgão muscular
oco

Sonho
para que ele [tendo penas]
construa asas
e reaprenda a voar

No entanto
confesso:
falta ar!



(Aline Barra – 05/07/2011)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Pontu.ação:



Há os que preferem os pingos nos is e os pontos finais. Pragmáticos. Eu não. Enamoro-me com as ênfases bem humoradas das exclamações (!!!) e as intermináveis possibilidades das reticências (...). Portas cerradas e janelas com grades são portais pelos quais não transitam seres alados!


(Aline Barra – 15/06/2011)


terça-feira, 7 de junho de 2011

Flagelação

chega ele, de novo
sequioso em fazer de mim
gato e sapato

se não corta-me o vazio
o faz, impiedosamente
o frio

(o meu inferno atende pelo nome
inverno)

E DÓI!

(Aline Barra - 06/06/11)



quarta-feira, 25 de maio de 2011

Expiação

DESEJEI
olhar
secreto

atrapalhei-me
troquei os olhos
pelas mãos

agora já não sei
espio-te?
ou expio (eu) ?


(Aline Barra - 25/05/2011)

terça-feira, 17 de maio de 2011

O amor...

esta engrenagem
ideal
vermelho-pulsante

que no peito 
aparece como aceleração
e na face 
como coração

quem a saberá?

começo a pensar se não é
 só
 questão
de 
co(n)centração...


(Aline Barra - 17/05/2011)

sexta-feira, 6 de maio de 2011

SerTão



sertão é como sou
falta-me muito
e estou em excessos

sertão é demais
melhor é ser não

e pensar que a diferença
é uma única consoante



(Aline Barra - 06/05/2011)


segunda-feira, 2 de maio de 2011

palavras ou silêncio?

ainda não nos foi possível
ajustar a linguagem
- exceto a do corpo -


(Aline Barra - 02/05/2011)

quarta-feira, 13 de abril de 2011

hipocondria

dói a cabeça
cheia
con-ciência

dói o estômago
indigesta inapetência

dói o ventre
infértil
não libert-a-dor


(Aline Barra - 13/04/2011)



quinta-feira, 7 de abril de 2011

Via Crucis


Cheguei à vida por intermédio de tuas mãos
Convivemos por onze delicados dias
Depois nos perdemos


Pisei outras pedras - menos cheias de história -
Avistei montanhas sem o entrecorte de tuas cúpulas
E arranha-céus sem tuas coroas imperiais

Ouvi vozes
Que não eram as dos teus sinos
Não senti saudade tua

Troquei teus templos dourados
Por outros nada barrocos - tampouco sagrados -
Aventurei-me no profano
Segui
Ignorante de que havias construído de tuas pontes
Entre nós

Estou de novo em tuas entranhas
E cada beco teu
Parece devolver uma parte minha
Reintegro-as

Absorvo tua arte
Descubro novos ofícios
Restauro-me
Restituo em prosa
O que me revelas em dor


E em imagem onírica posso -  ao fim - vislumbrar 
tua Maria Fumaça - em chamas -
Cruzando o horizonte 
Levando consigo o cale-se 
Que um dia foi meu.


(Aline Barra - 07/04/2011)


Fotografia: Netun Lima

segunda-feira, 28 de março de 2011

"é que Narciso acha feio o que não é espelho"

A Metamorfose de Narciso - Salvador Dali


Ela era cheia de nuances
Mas isso, provavelmente, ele jamais saberá
Porque olhou-a, mas não a viu
Tocou-a, mas não a sentiu

Dela, ele só conseguiu ver uma face
Face esta que, aliás, pareceu-lhe desagradável
Ela era como um espelho de avessos
Refletia o que ele guardava a sete chaves

Como o sultão, que por medo de ser traído
mandava decapitar suas amantes ao amanhecer
Ele escolhera decapitar seus relacionamentos
tão logo estes ameaçassem sua segurança

E ela, ao contrário de Scherazade
não quis iludi-lo

Preferiu ser decapitada
para que ele seguisse seguro
e alheio à sua coleção de histórias sem rosto.


(Aline Barra - 28/03/2011)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Coração partido emenda?



Dizem que coração partido não cola
Descola
Eu acho que cola
mas quebra de novo
Do meu, só fazendo um mosaico
pois, de tanta fragilidade
já quebrou-se muitas vezes
É puro caco
Costurado à mão, com poesia
E cá estou eu
alinhavando mais um pedaço
Será que emendo?



_Aline,  20/02/2011.




domingo, 6 de fevereiro de 2011

Conjugando tempo e contratempo



obstáculo imprevisto este medo do presente
medo do teu presente no meu
o passado que me oculta em sombras
é o mesmo que me acolhe
- como o aconchego de um abraço conhecido -
quanto ao futuro
aquele tem um sorriso ameaçador
parece saber que o presente é efêmero
veículo de partidas, portador de vazios
e as partidas e os vazios são igualmente ameaçadores
aqui tempo não tem verbo
e contratempo não se conjuga.


(Aline Barra - 06/02/2011)


domingo, 9 de janeiro de 2011

A flor do oriente

Ela poderia ter sido cortesã
seria como a Geni do Chico:
dos cegos, dos retirantes
de quem não tem mais nada

Mas escolheu ser gueixa
(toda mulher esconde uma gueixa)
"feita apenas para amar
para sofrer pelo seu amor
e pra ser só perdão"

Decidiu ser gueixa
pelo mistério
As gueixas são, ao mesmo tempo
encanto e mistério
fascinação e lamento

Um dia foram encantadas
(de amor)
E quiseram o artifício do encanto
Tornaram-se, por isso
numa só obra
arte e artista

Encantaram!

Ela poderia ter sido cortesã
Mas escolheu ser gueixa
Escolheu ser aquela que encerra em si
o mistério
de todas as outras

E revela
o desejo
de todos os outros.

(Aline Barra - 09/01/2011)






Escrito a partir do filme Mémórias de Uma Gueixa, de Rob MArshall, EUA 2006.