Psicodelismos em prosa

À Quintana:

E todos aquilos
que um dia atravancaram o meu corpinho
(...)

Eles passaram.
Eu passarinho! v.V

_Aline, 21/03/2015.



sábado, 22 de dezembro de 2012

Piaimã

Tarsila do Amaral, São Paulo.


tuas linhas retas recusam minhas curvas
sinto falta do sol

tuas luzes brancas desbotam-me a alma
e sinto frio

teu excessivo ar refrigerado me apodrece
sinto-me enlatada

e sinto muito

estou febril
tou sem voz
sem ar

ressecada
                          di  s   s  ec   a  da

sem cor

cadê teu modernismo
onde se esconde tua poesia
   [pau-brasil

?

era eu Macunaíma
te dava novo brasão

apagava "Non ducor, duco"
e escrevia "Piaimã"
                     [o comedor de gente


(Aline Barra – 22/12/2012)

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Das janelas que dão para o lado de dentro

- para Luiz Fernando Carvalho

Hoje eu conheci um homem que constrói imagens em busca de janelas
Ele me comoveu
Era um moço alto
, elegante
Chegou como chegam as pessoas grandes do lado de dentro
Sem estardalhaço

Sentou-se
Acompanhado de outro gigante discreto
Ambos tinham olhos que abriam portas para arcaicas lavouras
- e para as distâncias que o amor pode abarcar -

Mas o homem que busca janelas me comoveu
Sim. Eu já disse

O que eu não disse é que a primeira delicadeza a me comover nele
Não vinha da mitopoese dos seus relatos
Mas das meias verdes que escapavam de suas botas

Aquelas meias provocaram meu imaginário
Era a segunda vez que um homem de terno me desviava a atenção para o improvável
: a cor de suas meias

O primeiro foi Ariano Suassuna
que foi receber homenagem - lá na terra de el Rei –
e levou sua poesia nos pés
, vestida de vermelho

Agora este
que veio para homenagear
e trouxe também nos pés
a lavoura que começou a cultivar quando ainda via pela janela dos olhos de sua mãe

Hoje eu conheci um homem que constrói imagens
Usa meias verdes
É amigo do homem de meias vermelhas
E abre janelas que dão para o lado de dentro.


Imagem do filme Lavoura Arcaica de Luiz Fernando Carvalho



(Aline Barra – 29/11/2012)

Texto motivado pela conversa, promovida pela Balada Literária 2012 (http://baladaliteraria.zip.net/), com Luiz Fernando Carvalho e Raduan Nassar, respectivamente diretor do filme (2001) e autor do livro (1975) Lavoura Arcaica. 

domingo, 30 de setembro de 2012

Carta ao poeta

Sabe, Manuel

aqui não é Pasárgada
não sou amiga do rei
não faço ginástica
não ando de bicicleta
não monto burro brabo

e ainda preciso pintar a cara se quiser ter o pão

mas quando de noite fico triste
- com vontade de me matar - 

finjo que não noto o rodopiar desvairado dos ponteiros do relógio
paro o tempo
ao meu prazer
como se fosse eu
amiga do rei

ouço o cantar ensurdecedor dos pássaros de lata
como se ouvisse Vinícius proseando
- para uma menina com uma flor - 

É, Manuel

aqui não é como em Pasárgada
não sou amiga do rei
não tenho tudo o que quero
não é outra civilização 

e tampouco há modo seguro pra impedir a má educação

mas quando de repente fico triste
- triste de não ter jeito - 

re-invento-me amiga do rei
pinto-me de poeta
e descubro que sou feliz
assim

Poeta (!)

(Aline Barra - 30/09/2012)


Imagem do filme O Palhaço, de Selton Mello

"o gato bebe leite
o rato come queijo
e eu sou palhaço!"


sexta-feira, 31 de agosto de 2012

[cor]respondência sem remetente com destinatário ausente



Sim estou contente re-alicerçando os planos pouco mudou com o tempo

passado

talvez a cor do céu mas o nó na garganta ainda

sufoca

a vida e o nosso amor o que será [?]

...

(Aline Barra - 31/08/2012)


*** Breve diálogo com a canção de Thiago Pethit: http://www.youtube.com/watch?v=pXBIWw185oY&fb_source=message

sábado, 14 de julho de 2012

saudade prematura


ela achou que seria fácil
não notou os laços

agora enfeita-se com um nó
na garganta


(Aline Barra - 13/07/2012)


Antropofagia - Tarsila do Amaral


no encantado mundo dos amores possíveis


não há borralheira
cinderela
ou bela adormecida


sapos não viram príncipes com um beijo
e nobreza é estado de alma


no encantado mundo dos amores possíveis


relação é síntese
produto de conflitos


nó[s] é tentativa forçada de laço
e um par se faz de dois inteiros


no encantado mundo dos amores possíveis


sabe-se
:
o “felizes para sempre” cabe na efemeridade d'uma tarde de sol
de um dia de inverno.


(Aline Barra – 13/07/2012)



                               





 

quinta-feira, 31 de maio de 2012

L' amour



(Como faço, Professor L’Amour?)















Já tentei feito Julieta
já banquei a “nem aí”
a moderninha
e a recatada

Já ofereci casa
carinho
e até roupa lavada

Comida, não.
Não gosto de cozinhar.

Mas bem que já entreguei meu amor de bandeja...
Em vão.
(virou sopa de letrinha)

Mirei-me nas mulheres de Atenas
Protagonizei Beatriz
Brinquei de Bailarina

Nada.

O amor insiste em apenas me enviar um postal de Paris. Oui !



(Aline Barra – 30/05/2012)



Texto motivado pela criativa campanha da Solution Comunicação (http://www.solutioncom.com.br)  para o Shopping Cidade - BH / MG (http://shoppingcidade.com.br/namorados/),  em comemoração ao dia dos namorados. 
Recomendo o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=QMlO2I0U2_c&feature=share

Resposta do Professor L'Amour:


domingo, 20 de maio de 2012

Carta a São Paulo



Amores mal criados...

Não os quero mais.
Decidi investir em casamento.

Já aproximei o sol com a lua
O barroco com a renascença
E até o queijo com a goiabada

De Cupido a alvo
Recebi teu bouquet

Compreendi o recado
:
é hora de casar

Minhas montanhas e tua garoa
Minha sede e o teu desvario

Tua verticalidade com o meu horizonte

Sim!
Prometo ser fiel
[à minha poesia na tua pauliceia]

Até que soprem novos ventos...


(Aline Barra - 20/05/2012)

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Ciranda de São João [à mineira]



Cavalheiros cumprimentam as damas
Damas cumprimentam os cavalheiros...

É o passeio na roça
[damas à frente]

Óia a chuva!
Óia a cobra!
Óia a ponte!

E é tudo verdade
Mió tê corage!

E vamo atravessá o túnel
E vamo entrá no caracór
Sem medo
Que já vem formando a grande roda

E balancê! ...
Viva São João!

E agora peguemo o caminho da cidade
[pareado]
Que até Virgulino já dispensou as armas
E quer mais é ver Maria
Boniiiita
Rodopiaaaando no salão...

(Aline Barra – 04/05/2012)

terça-feira, 3 de abril de 2012

descaminho



caudalosos são os  ventos que me afogam


e de voar 
contra a maré


recrio pés 
de pato
e


a
b
i
s
m
o


-me em oceanos de mim


(Aline Barra - 03/04/2012)

terça-feira, 20 de março de 2012

Outro outono...



e lá se vão


folhas
secas

verdes olhos

primavera
verão sem colheita

outro outono...

e esta falta que não cansa de estacionar-se em mim.




(Aline Barra - 20/03/2012) 

sábado, 17 de março de 2012

Sobre mitos, perdas e apegos...


Homem Vitruviano - Leonardo Da Vinci, 1940



Tal qual Narciso que após perder sua gêmea
passa a buscá-la na contemplação da própria imagem no lago

Também nós, míopes de nós mesmos
vemos no outro o nosso gêmeo perdido

E apaixonamo-nos por ele
E apegamo-nos a ele
Cegos, desatinados
Ávidos por uma fusão de corpos e almas
Na tentativa de unir o separado

E o perdemos
Perdemo-nos, repetidamente

Pois não há separação
Somos vitruvianos, simétricos, inteiros

Se queres Eros
Não te enganes na contemplação de Narciso

Ao contrário,
feches os olhos
e aprendas a ver (n)o escuro 
de si.

(Aline Barra - 17/03/2012)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

saída à francesa



ele veio assim, com um ar quieto
e foi colhendo quase tudo de mim

levou flores
confidências
poesia
tempo

pensei que me tiraria
o chão
o ar
a voz

mas não
preferiu retirar-se [a si]

(Aline Barra – 13/02/2012)

amenidades de verão

outro dia descobri as alegrias que moram nas bolhas de sabão
coisa que só as crianças conhecem bem
hoje me peguei divertindo com um pedaço desajeitado de gelatina
sim, gelatina
aquele troço tremulo, sem equilíbrio
bobo de fazer
bobo de comer
bobo
mas que dá uma alegria que parece rir da gente

... [risos]

(Aline Barra - 13/02/2012)


terça-feira, 24 de janeiro de 2012

maré de águas vivas


desaguei
: feito rio

em mar

aconcheguei
: feito ostra

rodeei a dor
: calcifiquei

feito pérola

: resplandeci 



(Aline Barra - 24/01/2012)

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Avareza


A Persistência da Memória - Salvador Dalí, 1931


nem tudo o tempo cura
há o que nem mesmo o fogo transmuta

água mole em terra árida
mal penetra

e eu aqui
:
teimando em ver mar naquele sertão


(Aline Barra - 17/01/2012)